8 de mar. de 2024

Sonho

 I
A pretensa liberdade 
confina dos olhos a luz
da probabilidade existir 
no desejo que seduz

Financeiro e conveniente 
para quem nunca pode ser,
mas para o mundo quem tem
é feito daquilo que obter.

Conquista efêmera e
frágil cristal impoluto,
hora tombado à realidade,
hora intocado, absoluto!...

II
No entanto, para mim,
cada dia é um novo lucro,
estarei perto da dignidade 
quando deitar sobre um sepulcro...

Nada que tenho me tem,
nem me confundo com a matéria,
o que eu sou é apenas carne
que envolve uma alma etérea...

Afasta-te!

Afasta-te, loucura! Tua boca em segredo 
procuro examinar no silêncio metódico...
Entre teus lábios nada se encontra de lógico,
como na humanidade, conhecer traz medo...

"Cala-te, coração!" Diz meu espírito quedo,
calejado de agruras, preguiçoso e módico,
afeito às ilusões de algum prazer melódico,
que soube errar bastante desde muito cedo...

Pois tua boca e teus lábios têm me aprisionado 
e por mais que eu me aflija, desarticulado,
não consigo escapar, tamanha é a gravidade...

E já não é o mesmo tempo, nem meus sentimentos,
tudo se faz ternura - horizonte de eventos,
neste espaço entre nós já não há realidade...

31 de dez. de 2023

Casa Amarela

É noite. Guarda, amor, meu nome clausurado,
selado à sete chaves atrás da tua porta...
Jamais soubeste o quanto tenho ocultado 
nessas linhas febris, quanta melodia morta...

É noite nos jardins do teu doce cuidado,
traz à memória a essência, que nada conforta...
Se te vejo sorrir como tenho sonhado
não respondo por mim e pouco mais importa...

Estou preso, não vês? Melancólico a esmo,
divago a procurar-te dentro de mim mesmo
e por vezes me perco girando espirais...

É noite e ao longe acena minha alma, flutua 
sobre o mar da saudade compulsiva e crua
de nunca mais te ter, de nunca, nunca mais...

15 de dez. de 2023

Carta VIII

Sabe, esse tipo de psicose, esse tipo aqui, leva qualquer um a converter-se. 
Comigo? Não. Pergunte a quem for: "ele crê?" te dirão: "ele é quem?"
Atravesso meio Rio até Botafogo. Acredita, na última eu me abri à doutora. 26 anos a doutora. Residente. Que desespero, meu querido, meu adorável cerebelo! Porque não te metes a dar com tua massa na parede até que te escorra pelo esgoto?...

Já sentiu vontade de dar com a cabeça no maciço? Era prática comum, na longe década, dar murros em aparelhos cansados de trabalhar: "vamos! (porrada) que a novela já vai começar, devia ter comprado uma Sharp!" 
Bem, certamente a doutora está cumprindo a burocracia do receituário. Proletária, tadinha. "Daqui três anos sou psiquiatra, lá com 29!" Disse sorrindo, ainda branca demais pra comer tutu. 

Então meu amor, minha gatinha, veio com umas de que eu preciso mesmo de ajuda. Ainda sou infante pra certo tipo de sarcasmo, como um arruinado mental precisaria de ajuda? Não! Devo correr nu pedindo pontapés no meio dos olhos! Um cuspe, um escarro por favor, que ainda é pouco a nota dó que se repete constante ao fundo, o bar fechou e eu ainda danço...

Algumas vezes pude até sentir o cheiro de podre, feito um anúncio da profecia familiar. Costumo vomitar nos outros, depois reflito: "é, vomitei..." Como se o óbvio usurpador não se contentasse apenas em dar o golpe de estado no absurdo.

Ano que vem talvez eu tente contato. Em meu planeta não existem pedras pontiagudas debaixo dos elevados...

13 de dez. de 2023

Desenhos da Infância

Olhos entreabertos de sangue pisado,
um corpo de um gigante decapitado,
demônios nus em posições estúpidas
sobre o montante de carcaças pútridas...
Tesouras aladas serrilhadas 
amputando asas pétalas de fadas...
Uma casa, janela de madeira, vaso de flor,
sob o sol sorridente a se pôr...

Pedras multiformes munições 
para fundíbulas assassinas de dragões,
pântanos borbulhantes onde notívagos
vampiros procuram por novos afagos...
Olhos de gatos acesos, julgadores...
Onomatopeias de choques multicores...
Uma cachoeira de luz efervescente 
onde as sombras observam a água corrente...

10 de dez. de 2023

Carta VII

Sob signo de Hécate, sua serva maldiz a árvore onde os nossos nomes foram talhados. A morte vem de assombro sobre um corcel de bronze e ressoam dobres fúnebres, enquanto uma a uma folhas murchas precipitam dores abortivas, poemas e canções sobre o silêncio. "Ah, maldita seja, mil vezes mais!"
Passo um tempo remoendo o amargor da sua ausência astuta. A tua escolha retorce os meus galhos em direção contrária, um estado de torpor onde a entrega do fruto e da flor é antinatural. "Veja aqui, aponto uma raiz podre..."

Tão relativa é a distância. Quando me podei crendo provocar saudade, jovial, guardei a voz de qualquer intento... Já são tantas estações, tempestades noturnas, quentes e frias, alardes emprenhados de inutilidade, "socorro! Deus! Me ajuda!" Desenho bocas multiformes para texturar janelas fechadas... E é tanto, tanto desabrigo.

Ganhar a vida, né? É o que se diz. Eu que te devo tudo, reproduzo aqui a arte desenstrumental do abismo, um auto retrato negativo, na língua dos anjos abusivos o canto célebre e opaco, colagem de notas dissonantes a favor do orgulho ressentido. Está pago e não te devo mais nada!

9 de dez. de 2023

Avulsos Atípicos IV

I
Faça filhos - dádivas, presentes...
Para que, Jesus, se planejar? 
Para que escovar os dentes?
Para que comer, beber, pensar?...

II
Existe um "eu" que pensa - um conceito 
que aprendi num livro sobre autismo,
e existe um "eu" ativo, um "eu" perfeito 
que faz e quer fazer - que romantismo!

III
Pessoas são bocas. Pessoas são 
o abrir e fechar de lábios eloquentes,
mantenho o foco - lá fora um furacão
passa... E nós seremos confidentes...

IV
Olhar em teus olhos é como despir-te 
tão lento quanto um pulso cardíaco.
Olhar em teus olhos é como cobrir-se
de um encanto, de prazer demoníaco...

V
Trabalho! Eis o deus, venere-o já!
Quanto mais teu sangue ele suga
mais do teu sangue ele desejará...
Não há descanso, tempo, amor, fuga...

VI
Sete horas da noite, minh'alma desertora
debanda para os mundos abissais, 
deixando uma desordem promissora 
engasgada nas minhas cordas vocais...